Entre
a Cruz e a Espada
Logo que vi a cena da transexual
crucificada na última parada gay de São Paulo me senti extremamente ofendido e
compartilhei meus sentimentos de modo direto entre um grupo de amigos que
imagino também se sentirem ofendidos em menor ou maior grau. Algumas pessoas
próximas partiram para o discurso de “não julgar” e concordo com elas, mas
minha atitude não foi de julgar a pessoa (aqui se dá a norma negativa), mas
julgar o ato praticado. Passado o ponto de ebulição da polêmica, após melhor
reflexão e novas informações, me sinto à vontade de escrever a respeito.
Li que a artista se apropriou da imagem
como quem expressa sua dor, como quem demonstra sofrer de modo intenso,
clamando por misericórdia, respeito e compaixão. Eu me compadeço da dor, me
compadeço de seus sofrimentos. Exatamente por essa compaixão convido a todos que
se sentiram representados pela imagem iconoclasta a refletir um pouco mais.
A perspectiva teológica da atitude da
artista remete à perspectiva do judaísmo que espera por um Cristo libertador
das dores humanas, libertador das injustiças temporais, libertador da opressão
que esmaga o povo de Deus, que sucumbe a dignidade pela opressão. Assim como é
o relato da libertação dos hebreus enquanto escravos no Egito. Neste ponto
concordo com a análise feita por Luiz Felipe Pondé em sua coluna na Folha de
São Paulo (A linda transexual crucificada), mas discordo quando diz que a
artista deu um banho em outros teólogos com sua “teologia performática”, pois
Cristo não deu vazão à esperança temporal daqueles que esperavam dar fim às
dores que lhes eram impostas pela realidade.
A Cruz de Cristo é carregada de
simbologia, em especial o símbolo da dor e o sinal da redenção. Como símbolo da
dor é um consolo a todos que sofrem. Como símbolo de redenção é um convite ao
caminho que leva ao céu, à verdadeira libertação que não se dá neste mundo: “Meu
reino não é deste mundo” (Jo 18, 36).
O convite de Cristo é: “Se alguém quer
vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9, 23)
e com base nisso se dá a dimensão da cruz. Cristo convida aqueles que sofrem a
tomar seu sofrimento de cada dia em silêncio e o seguir, pois “Foi maltratado,
mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como cordeiro conduzido ao
matadouro; como ovelha que permanece muda na presença dos tosquiadores ele não
abriu a boca” (Is 53, 7). Seguir a Cristo leva a um lugar em comum: morrer
pregado na sua própria cruz como caminho (Eu sou o caminho a verdade e a vida
[Jo 14, 6]) para a redenção que leva à ressurreição e consequentemente ao céu.
Iluminada por esta Palavra a Igreja
conclama aos seus fiéis e convida os homossexuais/transexuais: “[sobre os
homossexuais] Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza.
Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas
são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as
dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição” (CIC 2358 – grifo meu).
Me compadeço da dor da artista e a
convido a entregar suas dores nas mãos de Cristo para que Ele a ajude a
carregar a sua cruz, e, que busque sempre realizar a vontade de Deus em sua
vida. E, por amor, corrijo sua atitude que foi desconexa e inapropriada, pois
carece de sentido teológico e aparenta (para muitos, inclusive a mim a primeira
vista) um oportunismo sobre o sentimentalismo alheio que pode sair pela culatra
visto que em outras oportunidades, como na JMJ 2013 no Rio de Janeiro, símbolos
cristãos foram utilizados simplesmente para provocar e denegrir a fé alheia.
R. B. Figueiredo
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