A grande confusão que se faz sobre o mal que se
escancara através do desenvolvimento econômico é muito bem explicada na “Solicitudo Rei Socialis” de São João
Paulo II. O *verdadeiro mal é moral*
e não “econômico”. É possível afirmar, sem medo de errar, que no último século
o gênero humano involuiu na sua dimensão moral/espiritual a despeito da
evolução material (desenvolvimento econômico). Logo, o desconhecimento sobre
"como a economia cresce e como ela quebra" leva a conclusões
equivocadas e soluções que, apesar da boa
intenção, levam quase sempre a uma situação futura pior do que a atual.
Seguem trechos da encíclica (os negritos são meus, os
itálicos do original):
28. Ao mesmo tempo, também entrou em crise a própria
concepção «econômica» ou «economicista», ligada à palavra desenvolvimento. Hoje, de facto, compreende-se melhor que a mera acumulação de bens e de serviços,
mesmo em benefício da maioria, não basta para realizar a felicidade humana. E,
por conseguinte, também a disponibilidade dos multíplices benefícios reais, trazidos nos últimos tempos pela ciência e pela
técnica, incluindo a informática, não comporta a libertação de toda e qualquer
forma de escravidão. A experiência dos anos mais recentes demonstra, pelo
contrário, que se toda a massa dos recursos e das potencialidades, postos à
disposição do homem, não for regida por uma intenção moral e por uma
orientação no sentido do verdadeiro bem do gênero humano, ela volta-se
facilmente contra ele para o oprimir.
(...)
Certamente, a diferença entre «ser» e «ter» — perigo
inerente a uma pura multiplicação ou mera substituição de coisas possuídas em
relação com o valor do «ser» — não deve transformar-se necessariamente numa antinomia. Uma das maiores injustiças do
mundo contemporâneo consiste precisamente nisto: que são relativamente poucos os que possuem muito e muitos os que não possuem quase nada. É
a injustiça da má distribuição dos bens e dos serviços originariamente
destinados a todos.
(...)
E então, eis o quadro: há aqueles — os poucos que
possuem muito — que não conseguem verdadeiramente «ser», porque, devido a uma
inversão da hierarquia dos valores, estão impedidos pelo culto do «ter»; e há
aqueles — os muitos que possuem pouco ou nada — que não conseguem realizar a
sua vocação humana fundamental porque estão privados dos bens indispensáveis.
[meu comentário: em nossa realidade essa verdade não é muito bem aplicável, mas
depois posso explicar a quem interessar]
(...)
O mal não consiste no «ter» enquanto tal, mas no facto
de se possuir sem respeitar a qualidade
e a ordenada hierarquia dos bens que
se possuem. Qualidade e hierarquia
que promanam da subordinação dos bens e das suas disponibilidades ao «ser» do
homem e à sua verdadeira vocação.
Com isto fica esclarecido que o desenvolvimento tem necessariamente
uma dimensão econômica, porque
ele deve proporcionar ao maior número possível dos habitantes do mundo a
disponibilidade de bens indispensáveis para «ser»; contudo, ele não se limita a
tal dimensão. Se for delimitado a esta, volta-se contra aqueles a quem se
quereria favorecer.
As características de um desenvolvimento integral,
«mais humano», que – sem negar as exigências econômicas – esteja em condições
de se manter à altura da vocação autêntica do homem e da mulher, foram
descritas pelo Papa Paulo VI.
29. Um desenvolvimento que não é só econômico mede-se
e orienta-se segundo a realidade e a vocação do homem visto na sua globalidade;
ou seja, segundo um parâmetro interior
que lhe é próprio. O homem tem necessidade, sem dúvida, dos bens criados e dos
produtos da indústria, continuamente enriquecida pelo progresso científico e
tecnológico. E a disponibilidade sempre nova dos bens materiais, na medida em
que vem ao encontro das necessidades, abre novos horizontes. O perigo do abuso do consumo e o
aparecimento das necessidades artificiais não devem, de modo algum, impedir a
estima e a utilização dos novos bens e dos novos recursos postos à nossa
disposição; devemos mesmo ver nisso um dom de Deus e uma resposta à vocação do
homem, que se realiza plenamente em Cristo.
Mas para alcançar o verdadeiro desenvolvimento é
necessário não perder jamais de vista esse parâmetro,
que está na natureza específica do
homem, criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gen 1, 26): natureza
corporal e espiritual, simbolizada — no segundo relato da criação — pelos dois
elementos, a terra, com que Deus
plasma o físico do homem, e o sopro de
vida, insuflado nas suas narinas (cf. Gen 2, 7).
(...)
Com base nesta doutrina, vê-se que o desenvolvimento
não pode consistir somente no uso, no domínio e na posse indiscriminada das coisas criadas e dos produtos da indústria
humana; mas sobretudo em subordinar a
posse, o domínio e o uso à semelhança divina do homem e à sua vocação para a
imortalidade. É esta a realidade
transcendente do ser humano, a qual é transmitida desde a origem a um
casal, o homem e a mulher (cf. Gén 1, 27), e que, portanto, é fundamentalmente
social.