sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

TEMPOS EXTREMADOS

TEMPOS EXTREMADOS


Mais amor, por favor. O ano da escalada do ódio. Fanatismo! Fascista! Não passarão! NÃO! Brexit. Trump. FARC, não! Impeachment! Fora! Fora! FORA! Golpista, coxinha, petralha. Unfollow, descurtir, cancelar amizade, bloquear, BLACK BLOC. Textão.

Ó! ano de 2016, tu és histórico.

Tempos extremados? Concordo e discordo. Concordo pelo simples fato que as tensões se elevaram demasiadamente. Só por isso. Alguns sugerem que estamos em tempos extremados pelo calor das opiniões, pelos debates efervescidos no “facebook”, nos grupos de família e amigos do “whatsapp”, pelas discussões nas mesas dos bares. Vamos com calma sobre estes pontos.


Identifico dois problemas nos debates populares atuais, esses que se travam principalmente nas redes sociais, mas nenhum dos dois problemas está relacionado ao antagonismo das opiniões dispensadas. O primeiro é sobre a dinâmica dos debates e o segundo sobre a base argumentativa.

O primeiro problema está relacionado ao caráter excessivamente emocional e irracional dos debates travados. É preciso amadurecer o comportamento diante destas situações. O passo fundamental para esse amadurecimento é considerar, principalmente nos debates virtuais, apenas o que foi escrito e nada mais, nada de ficar imaginando o que o outro quis dizer ou o tom com que foi proferido. Em seguida é importantíssimo compreender que uma ideia divergente não é uma afronta pessoal, não é um ataque a sua dignidade, nem mesmo um abalo na amizade constituída. Olhando de perto todo mundo é divergente.


Os debates populares deveriam ser assim:

- Ciclano emite opinião “X”;
- Fulano discorda com opinião “Y”;
- Ciclano se esclarece;
- Fulano concorda ou discorda;
- Ambos continuam a convivência.

O segundo problema talvez seja o principal: quase ninguém se entende. Este é um problema moderno fruto do alargamento dos conceitos. Se os conceitos significam uma gama de coisas, então, eles não significam quase nada. Enquanto alguém está argumentando “A” o outro está raciocinando com base em “Z”, apesar de se ter utilizado a mesma palavra.

Logo, os debates para evoluírem de “debates populares” (mera exposição opinativa) para “debate argumentativo” necessitam de um esforço inicial de balizamento conceitual. Como esse esforço é chato e trabalhoso a maioria dos debates, pelo bem da sanidade geral, permanecerão na categoria de “debates populares”.



Outros sugerem que são tempos extremados pela aparente explosão da intolerância a respeito da opinião alheia. A meu ver esse é um problema muito maior do que os anteriores. Somos todos diferentes e, por isso, naturalmente, haverá divergência na perspectiva existencial e na compreensão da origem dos problemas humanos. Considerando a interação da convivência humana espera-se que hajam conflitos de ideias. A uniformidade de pensamento é algo intrinsecamente inumano, quase que bestial.

Ideias não precisam de tolerância. Tolerância se tem com as pessoas. Ideias precisam ser atacadas à exaustão, precisam ser provadas até se demonstrarem verdadeiras em todas as situações. Pessoas precisam ser vistas como pessoas; precisam ser respeitadas enquanto indivíduos com sentimentos, afetividade e contexto histórico. O comportamento social dos italianos é uma bela imagem dessa verdade.


Essa problemática é tão assustadora que de certa forma tem anestesiado e asfixiado as Universidades – especialmente no campo das humanidades. Hoje a Universidade não é mais o local adequado para se colocar teorias e ideias a prova. Nos tempos áureos da escolástica os argumentos eram postos na berlinda e inquiridos de todas as formas possíveis até que se demonstrassem consistentes. Santo Tomás de Aquino era conhecido como um debatedor impiedoso. Hoje qualquer ideia é acolhida desde que “progressista”. A continuidade do alto nível de aceitação de teorias refutadas inúmeras vezes como a teoria do valor-trabalho é prova cabal do desfalecimento das Universidades.

O ressurgimento de debates antagônicos, ao contrário do alarde, é sinal de esperança para tempos mais ricos e abundantes. Portanto, 2016, principalmente para o Brasil, foi um ano de coroamento com ventos de mudança e esperança.


Feliz 2017 a todos!



R. B. Figueiredo