Economia e Moral
Há pouco tempo li “Família - novo sinal
dos tempos” do Pe. Rafael Solano, um excelente livro sobre teologia moral em
que o autor busca resgatar a “primazia da caridade” sobre todo e qualquer
ensinamento moral. Sobre este tema o livro é maravilhoso, visto que é curto
para discorrer sobre um tema tão delicado e, nos dias de hoje, tão mal
compreendido. Mas escrevo este texto por outro ponto presente no livro que
acaba se tornando como um calcanhar de Aquiles para muitos, pois na própria
argumentação o autor explica que é um grande erro analisar um tema por uma
aparência externa e simplista, ou seja, não posso concluir sem antes ir além das
caricaturas.
A certa altura ele afirma: “No mundo no
qual nos encontramos, quem mais entende a dimensão sentimental do povo são os
economistas. De maneira incrível, vemos diariamente que o ecônomo se move à
medida que os desejos são manipulados.”, tenho de concordar por ter começado
com “no mundo no qual nos encontramos”, e, com toda sua percepção a respeito de
como a maioria dos economistas atuais enxergam as necessidades, ou melhor, os
desejos humanos e se julgam os bastiões da sociedade. O que não posso concordar
em sua argumentação é a conclusão de que toda essa pretensão em manipular os
desejos humanos, os quais podem levar o homem a um individualismo utilitarista
e materialista ao extremo seja um problema do liberalismo econômico. Ora, não
posso concordar com isso visto que “no mundo atual” o mainstream é o intervencionismo mais alinhado ao keynesianismo. E,
principalmente, porque um economista liberal não se julgaria capaz, ou na
posição, de dizer o que é melhor e quais são os desejos do povo de forma
impositiva. Hayek já havia condenado isso no famoso discurso “A pretensão do
conhecimento” na ocasião da premiação do premio Nobel em 1974.
Escrevo este texto porque é comum a
crítica ao liberalismo como uma teoria perversa que leva o homem a um
individualismo egocêntrico extremado. Compreendo a crítica do ponto de vista em
que alguns libertários levam a ideia da liberdade econômica pra perspectiva moral
(que não faz parte da ciência econômica, mas da filosofia moral) e, portanto,
acabam confundindo liberdade com ausência de moral ou com pura libertinagem. Outro
ponto comum que critico no livro é a associação de que uma “sociedade comercial”
ou que a livre economia giraria, apenas, sobre interesses financeiros.
De um modo simplificado eu dividiria a “ciência
econômica” em quatro linhas de pesquisa. São elas: administração, contabilidade,
finanças e comércio. Resumidamente, administração é o ato de administrar
recursos, desde materiais a humanos; contabilidade o ato de registrar as ações e
“contar a história” de pessoas ou empresas; finanças o ato de manusear e dar
retorno a recursos financeiros (estaria mais próximo da administração do que da
contabilidade ou do comércio); e, por fim, o comércio são as trocas que indivíduos
ou famílias realizam entre si.
Acredito que essa confusão em que muitos
libertários mergulham de cabeça seja porque o “mercado” é uma realidade amoral
que responde às necessidades humanas, desde as mais básicas até as supérfluas. O
problema desta confusão é que ela reforça o espantalho criado sobre os economistas
liberais. Ora, para o mercado ser amoral não é necessário que a sociedade também
o seja. Pelo contrário, para que uma sociedade possa prosperar pacificamente é
necessário que haja uma moralidade sólida. Não à toa Adam Smith antes de
escrever “A riqueza das nações” escreveu e refletiu sobre a “Teoria dos
sentimentos morais”.
Quando um economista defende o
liberalismo ele está a defender a liberdade de interação entre os indivíduos,
entre as famílias – as quais são a base da teoria econômica liberal – e não
sugerindo uma libertinagem moral. Quando um indivíduo age de modo imoral ou é
por uma índole perversa ou por uma formação moral deficitária e inadequada.
Neste caso cabe a instituições peritas em moral como a Igreja Católica rever o
modo como transmite seus ensinamentos morais, e, por isso é tão importante
excelentes obras como a que li na qual resgata uma teoria moral cristã construída
sobre a maior das virtudes: a caridade.
R. B. Figueiredo