segunda-feira, 16 de março de 2015

SOBRE AS MANIFESTAÇÕES POPULARES II

SOBRE AS MANIFESTAÇÕES POPULARES II


O que o povo está pedindo? Essa era a pergunta que intitulava o texto em que eu me posicionava contrário às manifestações de Junho de 2013. Naquele texto critiquei as manifestações pelo que estava em pauta – até hoje é difícil definir com precisão (o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo foi o estopim) –, o resultado era um aumento demasiado do Estado. Ora, se uma das pautas era “contra a corrupção”, por que aumentar o volume financeiro que circula pela mão dos políticos? Critiquei pelo modus operandi das manifestações que contavam com os autointitulados “Black Blocks” (pessoas encapuzadas que destruíam patrimônio público e privado) e por marcar as manifestações para dias úteis atrapalhando a vida de milhões de pessoas. Apontei como uma possível causa a degradação dos princípios morais que deságua em um relativismo moral e alertei que o futuro econômico era tenebroso. Qual não foi a surpresa? Fui chamado de reacionário, antidemocrático, etc.

Volto agora a me posicionar a respeito das manifestações de 15/03/2015. Posiciono-me a favor. E pelo meu posicionamento – segundo a time line do Facebook – eu sou novamente antidemocrático, fascista, golpista, tudo dito por quase todas as mesmas pessoas daquela época – não por todos, alguns estão em silêncio. Alguém se espanta com o duplo padrão desse pessoal?

Posiciono-me a favor porque a pauta é por um basta através do pedido de impeachment da presidente, uma mensagem clara de insatisfação com a atual política nacional, com o projeto de poder bolivariano que está em curso; por um basta – agora mais maduro – à corrupção que abre o diálogo para políticas econômicas mais liberais, as quais conduziriam a uma redução do Estado, e, consequentemente a redução do volume financeiro que circula pela mão dos políticos. Apoio pelo modus operandi que marca a manifestação no domingo e não atrapalha a vida de trabalhadores e estudantes, pela organização pacifica que não busca entrar em choque com a polícia nem destruir o patrimônio alheio. Não é “revolução”, é expressão, liberdade de expressão. São estes, então, xingados de fascistas, golpistas e tudo mais. Vejam o que era um dos movimentos fascistas e concluam qual das manifestações mais se parecem com o fascismo por conta própria: http://pt.wikipedia.org/wiki/Camisas_negras
Não, senhores, não faz sentido!

É claro que tenho críticas a alguns que pediram intervenção militar, outros que foram pelo oba-oba, para tirar uma selfie, etc. Também crítico aqueles que foram se manifestar somente porque sentiram no bolso o aumento da gasolina, apesar de não invalidar a participação deles, mas não têm nenhuma consciência política e econômica.

Sou a favor da liberdade de expressão, do debate, da democracia, de não atrapalhar a vida do próximo. Jamais serei a favor de revolução por massas amorfas, de pensamento único, de baderna, de atrapalhar o ir e vir das pessoas.

Dia 12/04/2015 estarei na próxima manifestação!



R. B. Figueiredo

terça-feira, 3 de março de 2015

O Bezerro de Ouro

O bezerro de ouro

“Quando o povo viu que Moisés tardava em descer da montanha, congregou-se em torno de Aarão e lhe disse: ‘Vamos, faze-nos um deus que vá à nossa frente, porque a esse Moisés, a esse homem que nos fez subir da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu.’ Aarão respondeu-lhes: ‘Tirai os brincos de ouro das orelhas de vossas mulheres, de vossos filhos e filhas e trazei-mos’. Então todo o povo tirou das orelhas os brincos e os trouxeram a Aarão. Este recebeu o ouro das suas mãos, o fez fundir em um molde e fabricou com ele uma estátua de bezerro. Então exclamaram: ‘Este é o teu Deus, ó Israel, o que fez subir da terra do Egito.’ Quando Aarão ouviu isso, edificou um altar diante da estátua e fez está proclamação: ‘Amanhã será festa para Iahweh.’
No dia seguinte, levantaram-se cedo, ofereceram holocaustos e trouxeram sacrifícios de comunhão. O povo assentou-se para comer e para beber, depois se levantou para se divertir.
Iahweh disse a Moisés: ‘Vai, desce, porque o teu povo, que fizestes subir da terra do Egito, perverteu-se. Depressa se desviaram do caminho que eu lhes havia ordenado. Fizeram para si um bezerro de metal fundido, o adoraram, lhe ofereceram sacrifícios e disseram: Este é o teu Deus, ó Israel, que te fez subir do país do Egito’.(Êxodo 32, 1-8)

Este relato do Êxodo é tão atual e repleto de detalhes que seria possível escrever diversos textos com base nele, mas vamos utilizá-lo como uma alegoria.

O povo de Israel ao se inquietar com a demora de Moisés no monte acreditou que precisava fazer algo para saciar suas angustias, seus anseios, pois se sentia abandonado à própria sorte e desejava a presença de um sustentador no meio deles, de alguém que os protegesse, de alguém que cuidasse deles. Acreditavam, portanto, que estavam agindo de boa maneira e elegeram um novo deus para si. Aarão agindo de boa índole também tomou tudo àquilo como bom e agradável ao Senhor ao ponto de proclamar que seria festa para Deus. É importante notar que deram ao bezerro o lugar de Deus, o lugar daquele que os libertou da escravidão do Egito e o adoraram. Entretanto, estavam a criar uma abominação aos olhos de Deus. Pois criaram um novo deus resgatando um de seus antigos ídolos, um deus aparente, um deus que lhes parecia necessário para saciar e suprir todas as suas necessidades imediatas em vez de confiar no Deus verdadeiro, ao qual, talvez sem perceber, viraram as costas.

Esse é um relato que se repetirá por toda história da humanidade de modo individual ou coletivo. Individualmente muitos elevam o dinheiro ao lugar de Deus, outros elevam seus filhos, seus namorados, seus empregos, outros o sexo e as paixões,... estes deuses são perigosos de diversos modos, mas no máximo afetam às pessoas que estão próximas ao adorador.

O problema é quando este relato se repete em um povo como foi com Israel. Podemos relatar duas formas coletivas em que o povo elege um novo deus ao adorar um novo bezerro de ouro: uma abstrata, inanimada, despersonificada; e, outra aparentemente abstrata, mas animada e personificada. Julgo que a segunda é mais perigosa, pois quando alimentada cresce de forma exponencial até se tornar tão poderosa que só mesmo Deus para subjugá-la e, novamente, libertar seu povo da escravidão.

A primeira forma é denominada pejorativamente de “deus mercado”, e, de fato, é um bezerro de ouro para muitos. Estes são aqueles que acreditam que o poder do mercado saciará todas as necessidades humanas, ignorando que o homem em sua totalidade não corresponde apenas a necessidades físico-biológicas – incluindo necessidades secundárias como conforto – mas também sua dimensão espiritual que é eterna. A bem da verdade que o mercado é o modelo mais eficiente de atender às necessidades primárias dos homens, adorá-lo de forma incondicional é elevá-lo ao lugar de Deus.
Diferentemente é a percepção Austríaca Miseniana, na qual o mercado é apenas o reflexo das Ações Humanas. Estas ações por sua vez resultantes de decisões baseadas nas crenças e valores assumidos e compreendidos como morais pelos homens – incluí-se, portanto, valores religiosos e espirituais. Olhar o mercado por esta perspectiva não faz dele um deus, pelo contrário, faz dele na sua eficiência uma imagem da ação de Deus na sociedade através de ações muitas vezes baseadas na moralidade divina.

Há outra figura nas escrituras, mais especificamente nos capítulos 40 e 41 do livro de Jó. Relatado como a mistura de um dragão com um kraken, tão poderoso em sua grandeza que nenhuma força terrena poderia subjugá-lo. O nome deste monstro é Leviatã, a criatura mais temida de todas. Tão poderosa é essa figura que somente outra criatura que represente a força da mão de Deus poderá enfrentar-lhe.

Destruição do Leviatã – Gustave Doré

A segunda forma de o povo clamar por um bezerro de ouro é na figura do Leviatã de Hobbes. Este bezerro ao contrário do mercado é concreto, animado e personificado. Não à toa sua grafia é o Estado, com letra maiúscula para designar nome próprio. Este deus se alimenta das suplicas do povo que lhe concede poder sobre suas vidas, a princípio voluntariamente, e não para de crescer até se tornar tão poderoso que somente a mão de Deus para destruí-lo.

Quando o povo suplica: “Ó, Senhor, dá-nos proteção, dá-nos saúde, dá-nos educação, dá-nos tudo aquilo de que precisamos! Sustenta-nos, Senhor!” entregam ao bezerro as rédeas de suas próprias vidas, sentem-se seguros e amparados no início, mas não percebem que assim suas almas são devoradas até o ponto de se tornar um povo vazio, sem razão para viver, irresponsável, libertino, sem qualquer valor duradouro. São povos com altos índices de suicídio, ocos como sepulcros caiados. Enquanto sentem-se confortáveis e seguros caminham para o esquecimento do verdadeiro Deus até o ponto em que praticamente expulsam toda e qualquer religião de seu território a não ser a secular.

Houve um tempo em que os cristãos chocaram o mundo porque agiam caritativamente, sem esperar nada em troca. Apenas por amar a Cristo no próximo. Os antigos e sábios, como a cultura helenística, conheciam a ação altruísta, mas mesmo esta continha seu próprio interesse. Nada se comparava ao agir do cristão que muitas vezes dava sua própria vida pela causa dos mais pobres. Dessa caridade nasceram, por exemplo, redes hospitalares e associações que visavam estender a mão aos mais necessitados – necessitado e pobre não era uma questão pura e simplesmente monetária como alguns tentam reduzir nos dias de hoje. O crescimento e adoração do bezerro surrupia aos poucos a necessidade da caridade individual, pois o povo entrega ao novo deus o direito e a obrigação de agir em seu lugar. Por fim transforma a população em um rebanho para seu próprio alimento. Um rebanho de cordeiros que caminha silenciosamente para o matadouro. O problema de ir em direção ao matadouro é que seguir até lá sem uma alma é seguir para o seu fim existencial. Para citar Plauto: “homo homini lupus”, frase popularizada por Hobbes: “O homem é o lobo do homem”.

São muitos bezerros sendo fundidos por todo mundo e cada vez maiores. Algumas pessoas alertam para o surgimento do grande Leviatã que espalha seus tentáculos para todo o planeta e até mesmo o povo de Deus começa a dançar e oferecer sacrifícios ao novo Bezerro de Ouro. Até quando Moisés permanecerá no alto do monte sem orientar novamente o povo no caminho de Deus?



R. B. Figueiredo