quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Desenvolvimento Integral

A grande confusão que se faz sobre o mal que se escancara através do desenvolvimento econômico é muito bem explicada na “Solicitudo Rei Socialis” de São João Paulo II. O *verdadeiro mal é moral* e não “econômico”. É possível afirmar, sem medo de errar, que no último século o gênero humano involuiu na sua dimensão moral/espiritual a despeito da evolução material (desenvolvimento econômico). Logo, o desconhecimento sobre "como a economia cresce e como ela quebra" leva a conclusões equivocadas e soluções que, apesar da boa intenção, levam quase sempre a uma situação futura pior do que a atual.

Seguem trechos da encíclica (os negritos são meus, os itálicos do original):

28. Ao mesmo tempo, também entrou em crise a própria concepção «econômica» ou «economicista», ligada à palavra desenvolvimento. Hoje, de facto, compreende-se melhor que a mera acumulação de bens e de serviços, mesmo em benefício da maioria, não basta para realizar a felicidade humana. E, por conseguinte, também a disponibilidade dos multíplices benefícios reais, trazidos nos últimos tempos pela ciência e pela técnica, incluindo a informática, não comporta a libertação de toda e qualquer forma de escravidão. A experiência dos anos mais recentes demonstra, pelo contrário, que se toda a massa dos recursos e das potencialidades, postos à disposição do homem, não for regida por uma intenção moral e por uma orientação no sentido do verdadeiro bem do gênero humano, ela volta-se facilmente contra ele para o oprimir.

(...)

Certamente, a diferença entre «ser» e «ter» — perigo inerente a uma pura multiplicação ou mera substituição de coisas possuídas em relação com o valor do «ser» — não deve transformar-se necessariamente numa antinomia. Uma das maiores injustiças do mundo contemporâneo consiste precisamente nisto: que são relativamente poucos os que possuem muito e muitos os que não possuem quase nada. É a injustiça da má distribuição dos bens e dos serviços originariamente destinados a todos.

(...)

E então, eis o quadro: há aqueles — os poucos que possuem muito — que não conseguem verdadeiramente «ser», porque, devido a uma inversão da hierarquia dos valores, estão impedidos pelo culto do «ter»; e há aqueles — os muitos que possuem pouco ou nada — que não conseguem realizar a sua vocação humana fundamental porque estão privados dos bens indispensáveis. [meu comentário: em nossa realidade essa verdade não é muito bem aplicável, mas depois posso explicar a quem interessar]

(...)

O mal não consiste no «ter» enquanto tal, mas no facto de se possuir sem respeitar a qualidade e a ordenada hierarquia dos bens que se possuem. Qualidade e hierarquia que promanam da subordinação dos bens e das suas disponibilidades ao «ser» do homem e à sua verdadeira vocação.

Com isto fica esclarecido que o desenvolvimento tem necessariamente uma dimensão econômica, porque ele deve proporcionar ao maior número possível dos habitantes do mundo a disponibilidade de bens indispensáveis para «ser»; contudo, ele não se limita a tal dimensão. Se for delimitado a esta, volta-se contra aqueles a quem se quereria favorecer.

As características de um desenvolvimento integral, «mais humano», que – sem negar as exigências econômicas – esteja em condições de se manter à altura da vocação autêntica do homem e da mulher, foram descritas pelo Papa Paulo VI.

29. Um desenvolvimento que não é só econômico mede-se e orienta-se segundo a realidade e a vocação do homem visto na sua globalidade; ou seja, segundo um parâmetro interior que lhe é próprio. O homem tem necessidade, sem dúvida, dos bens criados e dos produtos da indústria, continuamente enriquecida pelo progresso científico e tecnológico. E a disponibilidade sempre nova dos bens materiais, na medida em que vem ao encontro das necessidades, abre novos horizontes. O perigo do abuso do consumo e o aparecimento das necessidades artificiais não devem, de modo algum, impedir a estima e a utilização dos novos bens e dos novos recursos postos à nossa disposição; devemos mesmo ver nisso um dom de Deus e uma resposta à vocação do homem, que se realiza plenamente em Cristo.

Mas para alcançar o verdadeiro desenvolvimento é necessário não perder jamais de vista esse parâmetro, que está na natureza específica do homem, criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gen 1, 26): natureza corporal e espiritual, simbolizada — no segundo relato da criação — pelos dois elementos, a terra, com que Deus plasma o físico do homem, e o sopro de vida, insuflado nas suas narinas (cf. Gen 2, 7).

(...)


Com base nesta doutrina, vê-se que o desenvolvimento não pode consistir somente no uso, no domínio e na posse indiscriminada das coisas criadas e dos produtos da indústria humana; mas sobretudo em subordinar a posse, o domínio e o uso à semelhança divina do homem e à sua vocação para a imortalidade. É esta a realidade transcendente do ser humano, a qual é transmitida desde a origem a um casal, o homem e a mulher (cf. Gén 1, 27), e que, portanto, é fundamentalmente social.

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